sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A história da Reforma Protestante e a Contra-Reforma Católica


A história da Reforma Protestante e a Contra-Reforma Católica


[O que segue abaixo foi retirado do livro didático Caminhos das Civilizações – Da Pré-História aos dias atuais de José Geraldo Vinci de Moraes. O autor escreve a história desprezando o lado espiritual da Reforma Protestante no qual foi à razão fundamental. Embora a reforma envolvesse mudanças sociais e políticas, sabemos que essência dela foi Espiritual. O retorno as Escrituras. Sola Scriptura – Somente as Escrituras, Solus Christus – Somente Cristo,  Sola Gratia – Somente a Graça, Sola Fide – Somente pela Fé, Soli Deo Gloria – Somente glória a Deus.]
Introdução
Já sabemos que a Igreja foi uma poderosa instituição medieval. Mas entre os séculos XI e XIII, ela passou por diversas crises e mudanças, surgindo daí inúmeros movimentos que criticavam seus valores e posturas:
  • As heresias, que contestavam certos dogmas da Igreja Católica e por isso foram duramente perseguidas;
  • As ordens mendicantes, correntes internas que questionavam a preocupação da Igreja com as questões materiais;
  • As reações da própria Igreja para combater esses movimentos, principalmente a reforma gregoriana (do papa Gregório VII, na primeira metade do século XI) e a instituição da Santa Inquisição, no século XIII.[1}
A partir do século XV as críticas à Igreja Católica retornaram, ganhando muitas forças no século XVI. Os conflitos e as diferenças dentro da Igreja tornaram-se tão séria neste século, que acabaram gerando uma cisão na cristandade por meio da Reforma Protestante.
Alguns fatores gerais
No século XV, com as profundas transformações que ocorriam na Europa (a expansão marítima, o renascimento urbano e comercial e o humanismo/Renascimento), os movimentos que questionavam o excessivo comprometimento da Igreja Católica com os problemas mundanos e materiais ganharam mais espaço e força para se desenvolverem.
Dois fatos colaboraram muito para agravar ainda mais a situação da Igreja ao longo dos séculos XV e XVI:
  • A crescente onda de corrupção com a venda de indulgência, relíquias religiosas e cargos eclesiásticos importantes, bem como a concubinagem do clero.
  • E, ao mesmo tempo que o papa (autoridade máxima da Igreja) perdia poder para monarquias nacionais, enfraquecendo-se, cometia abusos políticos, envolvendo-se em acordos e golpes políticos com o objetivo de universalizar sua influência na Europa católica.
A Igreja tornava-se cada vez mais vulnerável tanto no aspecto moral quando no religioso. As insatisfações generalizavam-se por toda a Europa.
A burguesia estava insatisfeita porque seus interesses chocavam-se com as posturas da Igrejas, como, por exemplo, a condenação da usura (lucro proveniente de juros exagerados) e da cobiça (desejo de possuir bens materiais e  poder). Os Estados nacionais (ou o rei)  queriam limitar os poderes temporais da Igreja nas suas fronteiras. O fiel de origem humilde via a Igreja defendo a exploração feudal e não encontrava nela o apoio espiritual de que tanto  precisava naquela época de crise.
No aspecto teórico, o Renascimento foi muito importante, uma vez que, de acordo com sua postura antropocêntrica valorizava o homem e sua individualidade e ainda o espírito critico do intelectual e cientista. Isto contribuiu muito para uma aproximação entre fé e razão e para a revisão de atitudes religiosas, como a idéia de que a interlocução com Deus poderia ser individual, sem a mediação do clero; ou ainda que a interpretação da Bíblia deveria ser livre e pessoal.
Gradativamente, forma sendo criadas na Europa condições para o surgimento de religiões mais adaptadas ao espírito capitalista.
Nesse quadro de insatisfações surgiram os primeiros reformistas [também chamados de pré-reformadores]: o inglês John Wycliffe, professor da Universidade de Oxford, já defendia (entre o final do século XIV e o início do XVI) a livre interpretação da Bíblia, o fim dos impostos clericais e questionava a existência da hierarquia eclesiástica.
O tcheco John Huss, professor da Universidade de Praga, foi um seguidor das idéias de John Wycliffe. Ele defendia, nessa mesma época, a utilização das línguas nacionais nos cultos religiosos, em vez do latim; chegou até a traduzir a Bíblia para seu idioma, o que era um sacrilégio. Foi condenado pela Igreja em 1417 e morto na fogueira.
Essas primeiras iniciativas não tiveram muita repercussão, ficando restrita às igrejas de seus países, o que não ocorreu com os reformadores seguintes.
A Reforma Protestante na Alemanha
No século XVI a Alemanha não existia como a conhecemos hoje; ela fazia parte de um império mais extenso, o Sacro Império Romano-Germânico. O Império estava divido em diversas regiões independentes, os principados. Logo, o poder estava descentralizado nas mãos dos príncipes (a centralização do Estado alemão só viria a ocorrer no século XIX), que comandavam todas as ações na sua região.
O Sacro Império e a Igreja Católica disputavam o poder na região, produzindo alguns conflitos. Grande proprietária de terras, a Igreja alemã continuava vinculada ao mundo feudal, explorando os camponeses e impedindo o desenvolvimento do comércio e, conseqüentemente, da burguesia. Além disso, em razão da sua grande força nas questões temporais, a corrupção e a decadência moral da Igreja assumiam grandes proporções na Alemanha. A sociedade, de maneira geral, a via de forma muito negativa.
Por isso, em outro de 1517, o monge agostiniano (portanto, membro da Igreja Católica) e professor universitário Martinho Lutero (1483 – 1546) afixou na porta da catedral de Wittenberg 95 teses e que denunciava e protestava contra a venda de indulgências.
O papa, na época Leão X, exigiu sua retratação, o que não ocorreu, prolongando o conflito por cerca de três anos. Finalmente, em 1520, Lutero foi excomungado pelo papa. Para demonstrar sua insatisfação, ele queimou em público a bula papal que o condenava. Em virtude de sua radicalidade, Lutero foi proscrito do Império. No entanto, o príncipe Frederico da Saxônia o acolheu em seu castelo.Protegido no castelo, Martinho Lutero traduziu a Bíblia do latim para o alemão (o que era proibido na Época [pela Igreja Católica]).

A difusão da Reforma e as lutas religiosas
As idéias da Reforma Luterana espalharam-se pelo Sacro império Romano-Germânico e provocaram diversos conflitos sociais, políticos e religiosos.
Alguns nobres, por exemplo, apropriaram-se de terras da Igreja, pela conversão ao luteranismo. De outro lado, de forma violenta, vários nobres decadentes atacaram, em 1522 e 1523, principados católicos (a Revolta dos Cavaleiros) par se apoderarem de suas riquezas. Houve reação dos católicos, que impediram e esmagaram a revolta.
Esses conflitos armados motivaram a organização de camponeses e trabalhadores urbanos envolvidos na Revolta dos Cavaleiros. Liberados pelo sacerdote luterano Thomas Munzer, esse movimento foi profundamente influenciado pelo anabatismo.
O anabatismo era um corrente reformista mais radical; rejeitava qualquer sacerdócio, já que Deus se comunicava diretamente com os eleitos, combatia a riqueza, a miséria e a propriedade privada e pregava a igualdade social. Por causa desses princípios, o anabatismo era muito divulgado entre a população mais pobre e deu um tom revolucionário às revoltas.
Temendo p desenvolvimento das revoltas populares, nobres e burgueses, católicos e luteranos (com a concordância de Lutero) uniram-se pra combater o inimigo comum. Em 1525 um grande exército marchou contra os revoltosos, eliminando cerca de cem mil pessoas e decapitando o líder Thomas Munzer.
Após o fim das revoltas populares, as nobrezas católicas e luterana voltaram a se enfrentar, lutando por terras e poder. O imperador Carlos V, fiel à Igreja, procurou pôr fim às agitações convocando, em 1530, a Dieta de Augsburgo (uma espécie de assembléia de nobres) para discutir os conflitos. Ele tentava conciliar as posições de reformistas e católicos. Mas os luteranos, através de Melachton, discípulo de Lutero, reafirmaram suas posições na Confissão de Augsburgo , e as lutas reiniciaram.
A nobreza luterana organizou uma Liga militar (Liga de Esmalcalda), para combater os exércitos imperiais. As lutas estenderam-se até 1555, quando foi assinada, pelo novo imperador Fernando I, a paz em Augsburgo. Este tratado de paz reconheceu a divisão religiosa da Alemanha e determinou que o povo da cada principado deveria seguir a religião de seu príncipe.
Com o fortalecimento de luteranismo na Alemanha, ele começou a influenciar os paises escandinavos (Suécia, Dinamarca e Noruega). Todos os reis dessa região se converteram à Reforma Protestante, determinando o fim da influencia católica nesses paises.

A Reforma Protestante na Europa
O Calvinismo
Na França, antes da forte influência luterana, alguns humanistas haviam tentado realizar uma reforma religiosa mais pacífica, mas não alcançaram nenhum sucesso. O catolicismo na França era bastante forte e tinha o apoio da monarquia.
As idéias de Lutero continuavam se espalhando pela Europa. Na França, um estudioso das artes liberais e de Direito chamado João Calvino (1509 – 1564) aderiu à reforma pregada por Lutero. O reformismo Luterano ganhou certa radicalidade nas concepções da Calvino:
  • O homem, um pecador, só podia ser salvar pela fé (Ef 2.1, 8). [Depravação total - Todos os homens nascem totalmente depravados, incapazes de se salvar ou de escolher o bem em questões espirituais.]
  • Deus é transcendente (superior, acima do mundo real) e incompreensível; Ele só revelou aquilo que quis revelar através das Escrituras. [Soberania de Deus - Spurgeon (1834-1892) enfatiza corretamente: “Deus é independente de tudo e de todos. Ele age de acordo com Sua própria vontade. Quando Ele diz: ‘eu farei’, o que quer que diga será feito. Deus é soberano, e Sua vontade, não a vontade do homem, será feita”. Deus se apresenta nas escrituras como todo-poderoso (onipotente), com capacidade para fazer todas as coisas conforme sua vontade (SI 115:3; 135:6; Is 46:10; Dn 4:35; Ef 1:11) [a]]
  • A predestinação divina absoluta já destinava o futuro do homem à salvação ou à condenação. [A doutrina da Predestinação - Deus escolheu dentre todos os seres humanos decaídos um grande número de pecadores por graça pura, sem levar em conta qualquer mérito.]

Perseguido, Calvino refugiou-se na cidade suíça de Genebra, 1536 [b]. A Suíça era um país onde as idéias reformistas luteranas já tinham alguma força devido à pregação de Úlrico Zwinglio (1484-1531).
Apoiado pela burguesia local. Calvino desenvolveu suas idéias e deu um novo vigor militante ao reformismo. Ele pregava a valorização do trabalho (veja artigo deHermisten M. P. Costa sobre A Reforma e o Trabalho); não condenava o empréstimo de           dinheiros a juros, como a Igreja Católica fazia.
Por isso, Calvino acumulou força política e assumiu o governo da cidade. Governando como [autoridade], sua administração impôs rígidos costumes morais: proibindo o jogo de cartas, a dança e o teatro.
Como suas idéias iam diretamente ao encontro das necessidades burguesas de acúmulo de capital (veja artigo Calvinismo e Capitalismo: Qual é Mesmo a Sua Relação? [d]) e de valorização do trabalho, o calvinismo se espalhou rapidamente pela Europa.  Na Escócia foi organizada a Igreja Presbiteriana (leia sobre John Knox e também John Knox: O Reformador da Escócia ); no norte dos Paises Baixos (Holanda), originou-se o movimento dos puritanos, que se difundiu para a Inglaterra e para a França. (na França os Calvinistas eram chamados de huguenotes, na Inglaterra de puritanos). [O presbiterianismo (igreja Calvinistas) foi levado da Escócia para a Inglaterra; de lá, para os Estados Unidos da América. Em 1726 teve início um grande despertamento espiritual nos Estados Unidos. Este despertamento levou os presbiterianos a se interessarem por missões estrangeiras. Missionários foram enviados para vários países, inclusive o Brasil. No dia 12 de agosto de 1859 chegou ao nosso país o primeiro missionário presbiteriano: Ashbel Green Simonton. Este foi fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil www.ipb.org.br.] Leia a História do Presbiterianismo e sua confissão de Fé - Westminster.

O anglicanismo
A Reforma na Inglaterra tomou um caráter bem original.
A igreja católica, ao mesmo tempo que era muito rica em terras, dependia da proteção do Estado. Henrique VIII, rei da Inglaterra, condenou, a principio, o ideário luterano e perseguiu seus seguidores, sendo condenando pela igreja como “Defensor da Fé”.
Por outro lado, o rei pretendia assumir as terras e as riquezas da igreja católica e, ao mesmo tempo, enfraquecer sua influência.
A justificativa para concretizar o cisma foi a recusa do papa em dissolver o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, que não podia lhe dar um filho herdeiro (o que criaria problemas políticos de hereditariedade do Reino). O rei não recuou diante da recusa da Igreja e casou-se novamente com Ana Bolena, sendo excomungado. Henrique VIII repetiria o ato, de  acordo com seus interesses políticos, casando-se seis vezes.
O rompimento oficial deu-se em 1534, quando o Parlamento inglês aprovou o Ato de Supremacia, que colocava a Igreja sob a autoridade do rei. As propriedades da Igreja Católica passaram às mãos do rei e da nobreza. Todos os dogmas da Igreja Católica forma mantidos, exceto a autoridade papal, que devia se submeter à do rei. Nasci, assim, a Igreja Anglicana, gerando insatisfação entre católicos e protestantes. Portanto, as razões da separação entre o Estado e a Igreja não eram religiosos, mas políticos e econômicas.
Após a morte de Henrique VIII, assumiu o trono seu filho Eduardo VI, assumiu o trono seu filho Eduardo VI, que morreu logo em seguida, ainda criança. Ele foi sucedido por Maria Tudor, filha da Catarina de Aragão; católica, perseguiu os protestantes durante todo seu reinado (1547 – 1558), gerando inúmeros conflitos político-religiosos.
Nesse clima tenso assumiu o trono Elizabeth I, filha de Henrique VIII com Ana Bolena. Nesse período (1558-1603), a Inglaterra alcançou a paz religiosa, e o anglicanismo ganhou uma face mais definida, misturando elementos do ritual católico com os princípios da fé calvinista.
A Contra-Reforma Católica
A Reforma Protestante implicou mudanças sócias e políticas em toda a Europa. Com a crise da Igreja Católica romana, a maioria das populações do centro e do norte da Europa convertia-se ao protestantismo, principalmente porque ele se ajustava melhor ao universo do capitalismo em evolução[e]. Isso causou imediatamente sérios problemas políticos, levando ao conflito violento os adeptos das duas religiões e ao confronto os Estados católicos e protestantes.
A Igreja católica romana cada vez mais perdia espaços no quadro geopolítico europeu, além de sofrer pesadas perdas de fiéis. Procurando impedir o avanço da Reforma Protestante, ela realizou sua própria reforma nos padrões mais tradicionais do catolicismo, também conhecida como a Contra-Reforma.
A Igreja católica tentaria combater o protestantismo e restaurar a hegemonia do catolicismo por meio de doutrina e força. Para alcançar tal objetivo a Igreja precisou tomar algumas atitudes:
  • A reativação da Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício. A Inquisição foi criada no século XIII para julgar e punir os hereges. Ela reassumiu esse papel, no século XVI, e obteve muita força nas monarquias católicas de Portugal e Espanha, que usaram a Inquisição para perseguir principalmente os judeus; estes transferiram-se em grande número para os Paises Baixos ou se converteram (os cristãos novos).
  • A criação da Companhia de Jesus, em 1534, por Inácio de Loyola, com o objetivo de divulgar o catolicismo, principalmente por meio da educação. Organizados em moldes quase militantes, os jesuítas foram muito importantes para a defesa do catolicismo e sua propagação na América e na África. Nesses dois continentes recém-colonizados eles conseguiram um grande espaço para o catolicismo pela educação e catequização dos indígenas (é o caso de lembrar aqui dois destacados  jesuítas na catequização dos índios brasileiros, José de Anchieta e Manoel da Nóbrega).
No campo doutrinário, o papa Paulo III organizou o Concílio de Trento (1545 – 1563) para definir quais as novas posturas católicas. De forma geral, todos os dogmas e sacramentos condenados pelos protestantes foram reafirmados nesse Concílio.
  • Foi criado o Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum), em 1564. Tratava-se de uma lista de livros proibidos elaborada pelo Tribunal do Santo Ofício. Toda obra impressa deveria passar pela análise do Tribunal, que o “recomendava” ou não aos católicos. Na realidade a Igreja estava censurando obras artísticas, cientificas, Filosóficas e teologias. Um cientista que teve suas obras reprovadas foi Galileu Galilei.
  • Foi reafirmada a infalibilidade do papa, defendendo sua autoridade sobre todos os católicos.
  • As obras e sacramentos foram mantidos com fundamentais para a salvação da alma.
  • Foram criados seminários para formação intelectual e religioso dos padres.
  • Foi proibida a venda de indulgência e relíquias eclesiásticas.
  • Foi mantido o celibato clerical (proibição do casamento de padres e freiras).
Como se vê, a Contra-Reforma mantinha-se dentro da tradição. Tal postura acabou produzindo intolerância religiosa de ambos os lados, acirrando os conflitos entre católicos e protestantes por toda a Europa.


Autor: José Geraldo Vinci de Moraes
Fonte: Caminhos das Civilizações – Da Pré-História aos dias atuais / José Geraldo Vinci de Moraes. – São Paulo : Atual, 1993. pg. 173-180.
Adaptado por Nilson Mascolli Filho com textos entre chaves e tabela acrescentados e links..




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