quarta-feira, 29 de agosto de 2012

POR QUE LER UM LIVRO SOBRE FREUD?


POR QUE LER UM LIVRO SOBRE FREUD? 

Enquanto o homem enxergar a culpa como um problema da ciência e não da religião, a influência de Sigmund Freud permanecerá impregnada na mente do homem moderno. Freud foi um arquiteto da mente moderna – um construtor profano – como Marx e Darwin. Ele foi também um inimigo da religião – especificamente da Bíblia e dos seus padrões absolutos. Ele cria que o teísmo bíblico era a “ilusão” que compunha o problema de culpa central do homem. Freud queria que o homem aceitasse seu predicamento moral sem referência ao pecado.
A motivação de Freud para a psicanálise foi a remoção da culpa em prol da autoaceitação. Ele postulou que o predicamento moral do homem era inescapável e a culpa inevitável, a menos que o homem pudesse chegar a um acordo com a sua prisão moral. Essa ideologia gerou a nova moralidade dos nossos tempos, em que tanto o homossexual como o cristão devem aceitar e abraçar um estilo de vida imoral. O fato de o homossexual condenar a si mesmo é chamado agora de doença mental, e o de alguém condenar o homossexual, de prova de doença mental.
Essa é uma ética destrutiva, consistente com o fato de Freud ver a si mesmo como um destruidor. Seu propósito era dissociar a culpa do pecado, tornando-a um problema da ciência e não da fé. Por meio dessa revisão Freud esperava destruir a religião.
Mas a remoção da influência religiosa cristã leva apenas à tirania, à medida que o Deus cristão é substituído pelo governo ditatorial da elite científica. O Totalitarismo assume o lugar do Deus Trino à proporção que os governantes científicos buscam controlar cada faceta da vida. A terapia de Freud era socialismo científico: um sincretismo das agendas científicas e políticas do homem moderno.
Essa análise de um dos personagens mais insidiosos da história fornecerá discernimento para o ataque moderno que busca abolir o cristianismo e o pensamento bíblico.

Mark R. Rushdoony
O Rev. Mark R. Rushdoony, filho do falecido R. J. Rushdoony, é o atual presidente da Chalcedon Foundation. 

CINCO VISÕES SOBRE APOLOGÉTICA


CINCO VISÕES SOBRE APOLOGÉTICA 


O livro Five Views on Apologetics [Cinco Visões sobre Apologética], editado por Steven B. Cowan, leva o leitor a comparar e contrastar formas diferentes de “fazer” apologética:
O objetivo da apologética é responder persuasivamente objeções honestas que mantém as pessoas longe da fé em Jesus Cristo. O livro Five Views on Apologetics examina o “como fazer” da apologética, colocando cinco visões importantes sob o microscópio: clássica, evidencial, pressuposicional, epistemologia reformada e caso cumulativo. Oferecendo um fórum para apresentação, crítica e defesa, este livro permite que os contribuintes interajam com os pontos de vista diferentes. 4 ª capa, Five Views on Apologetics
O que segue é um excerto da introdução do livro:
Método Clássico
método clássico é uma abordagem que começa empregando a teologia natural para estabelecer o teísmo como a cosmovisão correta. Após a existência de Deus ter sido assim demonstrada, o método clássico passa para uma apresentação das evidências históricas para a divindade de Cristo, a confiabilidade da Escritura, etc., a fim de mostrar que o Cristianismo é a melhor versão de teísmo, em oposição ao, digamos, judaísmo e islamismo. Essa escola é chamada de método “clássico” porque assume que esse é o método usado pela maioria dos apologistas importantes dos primeiros séculos. William Lane Craig contribui com a defesa da apologética clássica desse volume. Outros apologistas contemporâneos que podem ser classificados como apologistas clássicos incluem R.C. Sproul, Norman Geisler, Stephen T. Davis e Richard Swinburne.
Costuma-se argumentar que a ordem das duas fases na apologética clássica é essencial. Isto é, antes que alguém possa discutir de forma significativa as evidências históricas, a existência de Deus já deverá ter sido estabelecida, pois a cosmovisão de uma pessoa é uma grade através da qual os milagres, fatos históricos e outros dados empíricos são interpretados. Sem um contexto teísta, jamais poderia demonstrar-se que um evento histórico foi um milagre divino. O outro lado da moeda dessa afirmação é que ninguém pode apelar a supostos milagres a fim de provar a existência de Deus. Como Sproul, Gerstner e Lindsley argumentam, “milagres não podem provar a existência de Deus. Na realidade, somente Deus pode provar milagres. Isto é, somente sob a evidência anterior de que Deus existe é que um milagre torna-se possível”. Contudo, ninguém que se considera um apologista clássico insistirá nesse ponto, como William Lane Craig deixa claro neste volume (…). Craig argumenta que a metodologia clássica não precisa insistir na necessidade teórica na ordem desses dois passos, mas apenas, dada a natureza dos argumentos probabilistas, que essa ordem é a melhor estratégia argumentativa.
O Método Evidencial
método evidencial tem muito em comum com o método clássico, exceto na resolução do problema com respeito ao valor dos milagres como evidência. O evidencialismo como método apologético pode ser caracterizado como uma abordagem “de um passo”. Os milagres não pressupõem a existência de Deus (como afirmam a maioria dos apologistas clássicos contemporâneos), mas podem servir como um tipo de evidência a favor da existência de Deus. Esse método é bastante eclético em seu uso das várias evidências positivas e críticas negativas, utilizando tanto argumentos filosóficos como históricos. Todavia, ele tende a se focar primariamente na legitimidade de acumular vários argumentos históricos e outros indutivos em favor da verdade do cristianismo.
Dado esse foco, os evidencialistas podem e irão argumentam em favor do teísmo e do teísmo cristão ao mesmo tempo, sem recorrer a uma teologia natural elaborada. Eles poderiam começar, por exemplo, argumentando em favor da factualidade histórica da ressurreição de Jesus e então argumentar que tal evento incomum é explicável somente se um ser muito parecido ao Deus cristão existir. Tendo então estabelecido a existência de Deus por meio da ressurreição miraculosa de Cristo, o evidentalista irá então afirmar que a ressurreição de Jesus também autentica suas reivindicações de ser Deus encarnado e seu ensino sobre a autoridade divina da Escritura.
Além de Gary R. Habermas, um dos contribuintes deste livro, defensores do evidencialismo incluem John W. Montgomery, Clark Pinnock e Wolfhart Pannenberg (veja o artigo de Harbermas para vários outros que ele classifica sob esse método).
O Método do Caso Cumulativo
O terceiro dos Quatro Grandes é o método do caso cumulativo. O termo “caso cumulativo” é usado por apologistas de maneiras diferentes daquela que estamos usando neste contexto, mas Basil Mitchell, um antigo proponente dessa visão, deu a esse método tal nome, e assim o usaremos aqui. O leitor cuidadoso sem dúvida observará que esse método pertence à mesma família ampla do método evidencial (e talvez clássico). Contudo, ficará evidente também que como uma estratégia argumentativa, o método do caso cumulativo tem algo distinto a oferecer. De fato, essa abordagem apologética surgiu por causa da insatisfação que alguns filósofos tinham com os outros métodos do tipo evidencial (i.e., os dois primeiros dos Quatro Grandes).
De acordo com os defensores da apologética do caso cumulativo, a natureza do caso em favor do Cristianismo não é em nenhum sentido estrito um argumento formal como uma prova ou um argumento de probabilidade. Nas palavras de Mitchell, o método do caso cumulativo “não se conforma ao padrão ordinário de raciocínio dedutivo ou indutivo”. O caso é mais parecido com o resumo que um advogado apresenta num tribunal ou que um crítico literário faz para uma interpretação particular de um livro. É um argumento esclarecido que reúne várias linhas ou tipos de dados numa espécie de hipótese ou teoria que explica de forma abrangente esses dados e faz isso melhor do que qualquer hipótese alternativa.
Paul Feinberg, o metodologista do caso cumulativo neste volume, diz que “os teístas cristãos estão insistindo que o cristianismo faça melhor uso de toda a evidência disponível do que qualquer outra cosmovisão alternativa em oferta, quer essa alternativa seja alguma oura visão teísta ou o ateísmo”. (…) Os dados que o caso cumulativo procura explicar inclui a existência e a natureza do cosmo, a realidade da experiência religiosa, a objetividade da moralidade, e outros fatos históricos, tais como a ressurreição de Jesus.
Além de Feinburg e Mitchell, a escola do caso cumulativo incluiria provavelmente C.S. Lewis e C. Stephen Evans.
O Método Pressuposicional
Devido aos efeitos noéticos do pecado, os pressuposicionalistas geralmente sustentam que não existe terreno comum suficiente entre crentes e incrédulos que permitiria os seguidores dos três métodos anteriores alcançar os seus objetivos. O apologista deve simplesmente pressupor a verdade do cristianismo como o ponto de partida apropriado na apologética. Aqui a revelação cristã nas Escrituras é o quadro através do qual toda a experiência é interpretada e toda a verdade é conhecida. Várias evidências e argumentos podem ser estabelecidos em favor da verdade do cristianismo, mas esses no mínimo pressupõem implicitamente premissas que podem ser verdadeiras apenas se o cristianismo for verdadeiro. Os pressuposicionalistas tentam, então, argumentar transcendentalmente. Isto é, eles argumentam que todo significado e pensamento – na verdade, todo fato – pressupõe logicamente o Deus das Escrituras.
John Frame representa o pressuposicionalismo neste volume, e ele coloca a questão dessa forma: “Nós deveríamos apresentar o Deus bíblico, não meramente como a conclusão a partir de um argumento, mas como aquele que torna o argumento possível” (…). Ao demonstrar que os incrédulos não podem argumentar, pensar ou viver sem pressupor Deus, os pressuposicionalistas tentam mostrar que a cosmovisão deles é inadequada para explicar suas experiências do mundo e fazer os incrédulos enxergarem que somente o cristianismo pode fazer a experiência deles ter sentido.
Outros pressuposicionalistas incluem Cornelius Van Til e Gordon Clark (…), bem como Greg Bahsen e Francis Schaeffer.
Esses quarto métodos apologéticos lutavam pela supremacia quando comecei pela primeira vez a estudar apologética e o problema da metodologia nos anos oitenta. Contudo, muita coisa aconteceu na filosofia e apologética nos últimos vinte anos ou mais. Um dos desenvolvimentos mais dramáticos foi o surgimento da epistemologia reformada. Kelly James Clark contribui com este volume sugerindo que essa nova epistemologia religiosa tem algo distinto a dizer com respeito ao método apologético.
A Abordagem da Epistemologia Reformada
“Desde o Iluminismo”, diz Clark, “tem havido uma demanda para expor todas as nossas crenças às críticas esquadrinhadoras da razão” (…). Dizem-nos que se uma crença não é apoiada por evidência de algum tipo, é irracional crer nela. A epistemologia reformada desafia essa suposição epistemológica “evidencialista”. Aqueles que defendem essa visão sustentam que é perfeitamente racional uma pessoa crer em muitas coisas sem evidência. De maneira mais impressionante, eles argumentam que a crença em Deus não requer o apoio de evidência ou argumento para que isso seja racional. A apologista da epistemologia reformada não evita necessariamente estabelecer argumentos positivos em defesa do cristianismo, mas ele argumentará que tais argumentos não são necessários para a fé racional. Se Calvino está correto que os seres humanos nascem com um sensus divinitatis (senso do divino) inato, então as pessoas podem correta e racionalmente chegar a ter uma crença em Deus imediatamente, sem o auxílio de evidências.
Para o epistemologista reformado, então, o foco tende a estar na apologética negativa ou defensiva, à medida que desafios à crença teísta são encontrados. No lado positivo, contudo, o epistemologista reformado irá, nas palavras de Clark, “encorajar os incrédulos a se colocarem em situações onde as pessoas são tipicamente apanhadas pela crença em Deus” (…), tentando despertar nelas seu senso latente do divino.
A lista de epistemologistas reformados contemporâneos inclui o contribuinte deste volume, Kelly James Clark, já mencionado. Mas quatro outros nomes que estariam no topo desta lista seriam Alvin Plantinga, Nicholas Wolterstorff, George Mavrodes e William Alson.
Novamente, deixe-me dizer que essas cinco metodologias apologéticas não constituem uma lista exaustiva de abordagens apologéticas. Elas representam, contudo, as estratégias argumentativas mais conhecidas e populares na comunidade acadêmica de apologética. É a minha esperança, bem como dos outros contribuintes, que essa obra promova discussão frutífera adicional da metodologia apologética e seja útil à igreja universal e ao Senhor Jesus Cristo.
 
Fonte: Cowan, Steven B. (editor), Five Views on Apologetics, Zondervan, Grand Rapids, Michigan, 2000. Páginas 15-20.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto – abril/2011



ORIGEM DA CONFISSÃO E CATECISMO DE WESTMINSTER


ORIGEM DA CONFISSÃO E CATECISMO DE WESTMINSTER


A maioria das confissões das igrejas reformadas e luteranas foi composta por autores individuais, ou por um pequeno grupo de teólogos a quem coube a tarefa de delinear um padrão de doutrina. E assim, Lutero e Melancthon foram os principais autores da Confissão Augsburg, o padrão de fé e laço comum de união das igrejas luteranas. A Segunda Confissão Helvética foi composta por Bullinger, a quem a obra foi confiada por um grupo de teólogos suíços; e o celebrado Catecismo Heidelberg foi composto por Ursino e Oleviano, os quais foram designados para isso por Frederico III, Príncipe Coroado do Palatinado. A Antiga Confissão Escocesa, que foi o padrão da Igreja Presbiteriana da Escócia por quase um século antes da adoção da Confissão Westminster, foi composta por um comitê de seis teólogos, sob cuja liderança estava John Knox, designado pelo Parlamento Escocês. Os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra e da Igreja Episcopal da América foram preparados pelos bispos daquela Igreja em 1562, como resultado da revisão de “Os Quarenta e Dois Artigos de Eduardo VI”, os quais foram delineados pelo Arcebispo Crammer e o Bispo Ridley, em 1551.
Os Cânones do Sínodo de Dort, de grande autoridade entre todas as igrejas reformadas, e o Padrão da Igreja da Holanda, foram, de um lado, delineados por um grande Sínodo internacional reunido em Dort pelos Estados Gerais dos Países Baixos, e composto de representantes de todas as igrejas reformadas, com exceção da França. E a Confissão de Fé e os Catecismos de nossa Igreja foram compostos por uma grande e ilustre assembleia nacional de teólogos e civis reunidos em Westminster, Inglaterra, pelo Grande Parlamento, de 1 de julho de 1643 a 22 de fevereiro de 1648. Um relato bastante breve da mesma é o propósito deste capítulo.
A Reforma na Escócia havia recebido seu primeiro impulso desde a volta do ilustre Patrick Hamilton, em 1527, do Continente, onde desfrutara das instruções de Lutero e Melancthon. Ela não foi em qualquer grau uma revolução política, nem se originou das classes governantes. Foi puramente uma revolução religiosa, operada entre as massas populares e a corporação da própria Igreja, sob a direção, em diferentes tempos, de diversos líderes eminentíssimos, dos quais os principais foram John Knox e Andrew Melville. “A Igreja da Escócia arquitetou sua Confissão de Fé e seu Primeiro Livro de Disciplina, e em sua primeira Assembleia Geral elaborou seu próprio governo, sete anos antes de receber a sanção da Legislatura. Sua primeira Assembleia Geral foi reunida em 1560, quando o primeiro Ato do Parlamento, reconhecendo-a como Igreja Nacional, se deu em 1567.” Ela continuou a manter num grau equilibrado sua independência da ordem civil e sua integridade como uma Igreja Presbiteriana até depois que o Rei Tiago assumiu o trono da Inglaterra. Após isso, através da influência inglesa e o crescente poder do trono, a independência da Igreja da Escócia foi amiúde temporariamente destruída. Em resistência a essa invasão de suas liberdades religiosas, os amigos da liberdade e da religião reformada entre a nobreza, o clero e o povo escocês subscreveram o sempre memorável Pacto Nacional, em Edinburgh, em 28 de fevereiro de 1638, bem como a Liga e Pacto Solenes entre os reinos da Inglaterra e Escócia, em 1643. “Esta Liga e Pacto Solenes (subscrita pela Assembleia Geral escocesa, o Parlamento inglês e a Assembleia de Westminster) obrigou os reinos unidos a promoverem a preservação da religião reformada na Igreja da Escócia, em doutrina, culto, disciplina e governo, bem como a reforma da religião nos reinos da Inglaterra e Irlanda, segundo a Palavra de Deus e o exemplo das melhores igrejas reformadas.” Foi em apoio do mesmo desígnio de assegurar em ambos os reinos a liberdade religiosa, uma reforma mais perfeita e uniformidade eclesiástica, que o povo escocês deu a eficaz corroboração de sua simpatia ao Parlamento Inglês em sua luta contra Carlos I, e para que a Igreja escocesa enviasse seus mais eminentes filhos como delegados à Assembleia em Westminster.
A Reforma na Inglaterra apresenta duas fases distintas – a de uma genuína obra da graça e a de uma revolução política e eclesiástica. No primeiro caráter, ela foi introduzida pela publicação da Palavra de Deus – o Novo Testamento Grego de Erasmo, publicado em Oxford, em 1517; e a tradução inglesa da Bíblia por Tyndale, a qual foi enviada de Worms para a Inglaterra em 1526. Pelo uso da Bíblia inglesa, juntamente com os trabalhos de muitos homens verdadeiramente piedosos, tanto entre o clero quanto entre os leigos, uma revolução totalmente popular se operou na religião da nação, e seu coração tornou-se permanentemente protestante. Os reais reformadores da Inglaterra, tais como Crammer, Ridley, Hooper, Latimer e Jewell, eram genuinamente evangélicos e totalmente calvinistas, em plena sintonia e constante correspondência com os grandes teólogos e pregadores da Suíça e Alemanha. Isso é ilustrado em seus escritos – nos Quarentas e Dois Artigos de Eduardo VI, 1551; os presentes artigos doutrinais da Igreja da Inglaterra, apresentados em 1562; e ainda nos Artigos de Lambeth, elaborados pelo Arcebispo Whitgift, cerca de 1595.
Ainda que essa obra de genuína reforma fosse em primeira instância materialmente acrescida pela revolução político-eclesiástica introduzida por Henrique VIII, e confirmada por sua filha Rainha Elizabete, foi, não obstante, grandemente impedida e prematuramente controlada por ela. O “Ato de Supremacia”, o qual fez do soberano a cabeça terrena da Igreja, e sujeitou todas as questões doutrinais, a ordem da Igreja e a disciplina, ao seu controle absoluto, possibilitou Elizabete de manipular as mudanças constitucionais na Igreja estabelecidas pelo processo de reforma naquele preciso ponto que foi determinado por seus pendores mundanos e sua ambição de poder. Uma hierarquia aristocrática, naturalmente mancomunada com a Corte, tornou-se um instrumento fácil da Coroa na repressão tanto da liberdade religiosa quanto da liberdade civil do povo. Gradualmente a luta entre o partido chamado Puritano e o partido repressivo da Corte tornou-se mais intensa e mais amarga durante todo o período dos reinados de Tiago I e Carlos I. Um novo elemento de conflito foi introduzido no fato de que o despótico partido da Corte naturalmente abandonou o calvinismo dos fundadores da Igreja e adotou aquele arminianismo que tem sempre prevalecido entre os parasitas do poder arbitrário e os devotos de uma religião igrejeira e sacramentalista.
A negação de toda reforma e a inexorável execução do “Ato de Uniformidade”, reprimindo todo dissentimento, enquanto que roubava ao povo todo traço de liberdade religiosa, necessariamente chegou a uma extensão tal da prerrogativa real, e a uma constante afluência de medidas arbitrárias e atos de violência, que a liberdade civil do indivíduo foi igualmente tripudiada. Por fim, depois de um intervalo de onze anos de tentativas de governar a nação através do Star Chamber e da Corte da Alta Comissão, e de ter prorrogado o refratário Parlamento que se reuniu na primavera daquele ano, o Rei foi forçado a apelar novamente ao país, que fez subir, em novembro de 1640, aquela eminente associação subsequentemente conhecida como o Grande Parlamento. Em maio do ano seguinte, essa associação tornou-se praticamente independente dos caprichos do Rei, sancionou um Decreto providenciando que ele só fosse dissolvido com seu próprio consentimento; e ao mesmo tempo todos os membros de ambas as Causas, com exceção de dois dos Peers, assinaram um acordo obrigando-os a perseverar na defesa de sua liberdade e da religião protestante. No mesmo ano, o Parlamento aboliu a Corte da Alta Comissão e a Star Chamber; e em novembro de 1642 foi ordenado que depois de 5 de novembro de 1643 o ofício de arcebispo e de bispo, bem como toda a estrutura do governo do prelado fossem abolidos.
Em 12 de junho de 1643, o Parlamento sancionou um Decreto intitulado “Convocação dos Lords e Comuns do Parlamento para a Convocação de uma Assembleia de Teólogos e outros com vistas a serem consultados pelo Parlamento para o estabelecimento do Governo e Liturgia da Igreja da Inglaterra e purificação da Doutrina da dita Igreja das falsas aspersões e interpretações”. Visto que o governo preexistente da Igreja por meio de bispos havia cessado de existir, e no entanto a Igreja de Cristo na Inglaterra permanecia, a única autoridade universalmente reconhecida que pudesse reunir os representantes da Igreja em Assembleia Geral era a Legislatura Nacional. As pessoas destinadas a constituir essa Assembleia eram citadas na convocação, e compreendiam a flor da Igreja daquela época; subsequentemente, cerca de vinte e um clérigos foram adicionados para substituírem a ausência de outros. A lista original incluía os nomes de dez Lords e vinte membros da Câmara dos Comuns como membros leigos, e cento e vinte e um teólogos. Homens de todos os matizes de opinião quanto ao governo da Igreja foram incluídos nessa preclara companhia – episcopais, presbiterianos, independentes e erastianos. “Na convocação original, quatro bispos foram chamados, um dos quais realmente atendeu no primeiro dia e outro justificou sua ausência sob a alegação de cumprimento de um dever; dos outros convocados, cinco tornaram-se bispos mais tarde, e cerca de vinte e cinco declinaram atendimento, em parte porque ela não era uma convocação regular efetuada pelo Rei, e em parte porque a Liga e o Pacto Solenes eram expressamente condenados por sua majestade.” A Assembleia Geral Escocesa também enviou como delegados, a Westminster, os melhores e mais preclaros homens que possuía — ministros: Alexander Henderson, o autor do Pacto, George Gillespie, Samuel Rutherford e Robert Baillie; e presbíteros: Lord John Maitland e Sir Archibald Johnston.
Apenas sessenta compareceram no primeiro dia, e a média de comparecimento durante as prolongadas sessões da Assembleia variava entre sessenta e oitenta. Desses, a vasta maioria era presbiteriana, depois que os episcopais se negaram subsequentemente de assinar a Liga e o Pacto Solene. A vasta maioria dos clérigos puritanos, segundo o exemplo de todas as igrejas reformadas do Continente, se inclinava para o presbiterianismo; e em muitos lugares, especialmente na cidade de Londres e sua circunvizinhança, instalaram-se presbitérios.
Apenas cinco independentes proeminentes se fizeram presentes na Assembleia, encabeçados pelo Dr. Thomas Goodwin e pelo Rev. Philip Nye. Esses foram chamados, à luz da atitude de oposição à maioria que os preocupava, “Os Cinco Irmãos Dissidentes”. A despeito da minoria de seu número, possuíam considerável influência em estorvar e finalmente frustrar a Assembleia em sua obra de construção eclesiástica nacional; e sua influência era devida ao apoio que recebiam dos políticos fora da Assembleia, no Grande Parlamento, no exército e, acima de tudo, do grande Cromwell pessoalmente.
Os erastianos, que sustentavam a tese de que os pastores cristãos são simplesmente mestres, e não governantes na Igreja, e que todo poder, tanto eclesiástico quanto civil, repousa exclusivamente no magistrado civil, eram representados na Assembleia por apenas dois ministros – Thomas Coleman e John Lightfoot, assistidos ativamente pelo erudito leigo, John Selden. Sua influência era devida ao fato de que o Parlamento lhes era simpático – e, naturalmente, todos os políticos mundanos.
O presidente, ou moderador, designado pelo Parlamento, foi o Dr. Twisse; e depois de sua morte foi sucedido pelo Mr. Herle. Em primeiro de julho de 1643 a Assembleia, após ouvir um sermão proferido pelo presidente, na Abadia de Westminster, foi organizada na Sétima Capela de Henrique. Depois que o frio aumentou, passaram a reunir-se na “Jerusalém Chamber”, “um agradável aposento na Abadia de Westminster”. Ao ser toda a Assembleia dividida em três comissões iguais, para o bom andamento dos assuntos, passaram a fazer o que estava na primeira pauta a eles determinado pelo Parlamento, ou seja, a revisão dos Trinta e Nove Artigos, o Credo já existente da Igreja da Inglaterra. Mas em 12 de outubro, logo depois de assinar a Liga e Pacto Solenes, o Parlamento ordenou à Assembleia “que considerasse entre eles aquela disciplina e governo que fossem mais condizentes com a santa Palavra de Deus”. Consequentemente, passaram imediatamente à preparação de um Diretório de Governo, Culto e Disciplina. Sendo prejudicados por constantes controvérsias com as facções independentes e erastianas, não completaram essa parte de seu trabalho até próximo ao final de 1644. Então começaram a preparar a composição de uma Confissão de Fé, sendo designada uma comissão para preparar e organizar as principais proposições que a comporiam. Essa comissão consistiu das seguintes pessoas: Dr. Hoyle, Dr. Gouge e Srs. Herle, Gataker, Tuckney, Reynolds e Vines.
A comissão finalmente se pôs a trabalhar na preparação da Confissão e dos Catecismos, simultaneamente. “Após algum progresso feito na elaboração de ambos, a Assembleia resolveu concluir primeiramente a Confissão, para então construir os Catecismos segundo o modelo daquela.” Apresentaram ao Parlamento, numa forma concluída, a Confissão, em 3 de dezembro de 1646, quando a mesma foi reencaminhada para que a “Assembleia pudesse inserir as notas marginais, a fim de que cada parte dela fosse provada pela Escritura”. Finalmente notificaram que estava concluída, com provas bíblicas satisfatórias de cada proposição individualmente, em 29 de abril de 1647.
O Breve Catecismo foi concluído e entregue ao Parlamento em 5 de novembro de 1647; e o Catecismo Maior, em 14 de abril de 1648. Em 22 de março de 1648 foi feita uma conferência entre as duas Casas com o fim de confrontar suas opiniões acerca da Confissão de Fé, cujo resultado é assim declarado por Rushworth: —
“Neste dia (22 de março), os Comuns, em conferência, apresentaram aos Lords uma Confissão de Fé conferida por eles, com algumas alterações (especialmente no que tange a questões de disciplina), a saber: Que se acha concorde com seus lords, e portanto com a Assembleia, na parte doutrinal, e desejam que a mesma seja publicada para que este reino, bem como todas as igrejas reformadas da Cristandade, não vejam o Parlamento da Inglaterra diferir em doutrina.”
A Confissão de Fé, o Diretório do Culto Público e os Catecismos, Maior e Breve, foram todos ratificados pela Assembleia Geral Escocesa, assim que as várias partes da obra foram concluídas em Westminster.
Em 13 de outubro de 1647, o Grande Parlamento estabeleceu a Igreja Presbiteriana na Inglaterra em fase experimental, “até ao final da sessão seguinte do Parlamento, a qual deveria ser um ano depois dessa data”. Mas antes dessa data o Parlamento tornou-se subserviente ao poder do exército sob Cromwell. Os presbitérios e sínodos foram logo substituídos por seu “Committee of Triers”, quando os ministros presbiterianos foram destituídos em massa por Carlos II, em 1662.
Depois de concluídos os Catecismos, muitos dos membros se dispersaram totalmente e voltaram para seus lares. “Os que permaneceram em Londres ficaram principalmente envolvidos no exame de ministros quando se apresentavam para ordenação ou indução a cargos vacantes. Continuaram a manter sua existência formal até 22 de fevereiro de 1649, cerca de três semanas depois que o Rei foi decapitado, tendo se reunido cinco anos, seis meses e vinte e dois dias, tempo este em que mantiveram mil cento e sessenta e três sessões. Transformaram-se, pois, numa comissão para conduzir as provas e exames de ministros, e continuaram a reunir-se com esse propósito toda quinta-feira de manhã, até 25 de março de 1652, quando Oliver Cromwell, tendo à força dissolvido o Grande Parlamento, por cuja autoridade a Assembleia fora convocada, aquela comissão foi também interrompida e desmembrada sem qualquer dissolução formal e como uma questão de necessidade.”
A Confissão de Fé e os Catecismos, Maior e Breve, da Assembleia Westminster foram adotados pelo Sínodo original na América do Norte, em 1729 A.D., como a “Confissão de Fé desta Igreja”; e tem sido recebida como o padrão de fé por todos os ramos da Igreja Presbiteriana na Escócia, Inglaterra, Irlanda e América; e é altamente reverenciada e seus Catecismos usados como meios de instrução pública por todas as entidades congregacionais de rebanhos puritanos no mundo inteiro.
Embora a Assembleia Westminster resolutamente excluísse de sua Confissão tudo quanto reconhecia ser erro de sabor erastiano, contudo suas opiniões quanto ao estabelecimento de igrejas levaram a conceitos acerca dos poderes dos magistrados civis, no tocante às coisas religiosas (circa sacra), os quais sempre foram rejeitados na América. Daí, no “Ato de Adoção” original, o Sínodo declarou que não receberia as passagens relativas a esse ponto na Confissão “em qualquer sentido em que se supõe que o magistrado civil tenha algum poder controlador sobre os sínodos com respeito ao exercício de sua autoridade ministerial; ou poder de perseguir alguém em razão de sua religião, ou em qualquer sentido contrário à sucessão protestante ao trono da Grã Bretanha”.
E também, quando o Sínodo revisou e emendou seus padrões, em 1787, em preparação para a organização da Assembleia Geral, em 1789, ela “levou em consideração o último parágrafo do capítulo 20 da Confissão de Fé Westminster; o terceiro parágrafo do capítulo 23; e o segundo parágrafo do capítulo 31; e havendo algumas alterações, concorda que os ditos parágrafos como ora alterados sejam impressos para consideração”. Como assim alterada e emendada, esta Confissão e estes Catecismos foram adotados como parte doutrinal da Constituição da Igreja Presbiteriana da América, em 1788, e assim permanecem até ao presente dia.
Os artigos originais da Confissão Westminster, quanto ao magistrado civil, com as alterações na Confissão da Igreja americana, são como seguem: —

Cap. xx. § 4, diz-se de certos ofensores: “Que sejam processados pelas censuras da Igreja e pelo poder do magistrado civil.”
Cap. xxiii. § 3: “O magistrado civil não pode assumir, por si mesmo, a administração da Palavra e dos sacramentos, tampouco o poder das chaves do reino do céu; não obstante tem autoridade, e é seu dever, de ordenar, para que a unidade e a paz sejam preservadas na Igreja, para que a verdade de Deus seja conservada pura e íntegra, para que todos os blasfemos e hereges sejam suprimidos, todas as corrupções e abusos no culto e disciplina sejam refreados e reformados e todas as ordenanças de Deus devidamente estabelecidas, administradas e observadas. E para efetuá-lo mais eficazmente, ele tem poder de convocar sínodos, estar presente neles e de providenciar para que tudo seja efetuado neles de acordo com a mente de Deus.”
Cap. xxxi. § 1: “Para o melhor governo e maior edificação da Igreja, deve haver assembleias tais como as que são comumente chamadas Sínodos ou Concílios.” – § 2: “Os magistrados podem licitamente convocar um sínodo de ministros e de outras pessoas aptas, para consultar e aconselhar acerca de matérias de religião; portanto, se os magistrados forem inimigos públicos da Igreja, os ministros de Cristo, de si mesmos, por virtude de seu ofício, ou eles com outras pessoas aptas em delegação de suas igrejas, podem reunir-se em tais assembleias.”

Cap. xx. § 4: “Podem legalmente ser convocados a prestar contas e processados pelas censuras da Igreja.”
Cap. xxiii. § 3: “O magistrado civil não pode assumir, por si mesmo, a administração da Palavra e dos sacramentos, nem o poder das chaves do reino do céu, nem de forma alguma interferir em questões de fé. Contudo, como pais protetores, é o dever dos magistrados civis proteger a Igreja de nosso comum Senhor, sem dar preferência a alguma denominação cristã acima de outras; de tal maneira que todas as pessoas sejam plenamente livres e desfrutem de inquestionável liberdade de, em toda parte, exercer suas funções sacras, sem violência ou risco. E, como Jesus Cristo designou um governo e disciplina em sua Igreja, nenhuma lei de qualquer comunidade deve interferir nela, impedir ou obstruir o devido exercício entre os membros voluntários de qualquer denominação de cristãos, segundo sua própria profissão e crença. É o dever dos magistrados civis protegerem a pessoa e o bom nome de todo o seu povo, de uma maneira tão eficaz que nenhuma pessoa sofra, quer por pretensão de religião, quer por infidelidade, alguma indignidade, violência, abuso, ou injúria de alguma outra pessoa; e ordenar que todas as assembleias religiosas e eclesiásticas sejam protegidas sem molestação ou distúrbio.”
Cap. xxxi. § 1: “Para o melhor governo e maior edificação da Igreja, deve haver assembleias tais como são comumente chamadas Sínodos ou Concílios; e pertence aos supervisores e outros líderes das igrejas particulares, por virtude de seu ofício e o poder que Cristo lhes delegou para a edificação, e não para destruição, instalar tais assembleias e para reunirem-se nelas quando julgarem conveniente, visando ao bem da Igreja.”

1. Como se compunha a maioria das Confissões das igrejas luteranas e reformadas?
2. O que é peculiar no caso dos Cânones do Sínodo de Dort e da Confissão e Catecismos Westminster?
3. Apresente o caráter geral da Reforma na Escócia.
4. Qual foi o caráter e propósito da Liga e Pacto Solenes, e por quais partes foi ela acordada?
5. Qual foi o caráter geral da Reforma na Inglaterra?
6. Qual foi a principal instrumentalidade pela qual a obra foi efetuada?
7. Qual foi o caráter da teologia, e qual a direção das afinidades dos reformadores ingleses primitivos?
8. Qual foi o caráter da influência exercida na Reforma inglesa por seus primeiros soberanos protestantes?
9. Que provaram ser os efeitos civis da tentativa por parte da Coroa de reprimir a liberdade religiosa?
10. Apresente alguns dos primeiros Decretos do Grande Parlamento.
11. Quando e com que propósito foi a Assembleia dos teólogos convocada em Westminster?
12. Qual foi o número e qual era o caráter das pessoas que compuseram aquela Assembleia?
13. Quais foram os representantes da Igreja da Escócia?
14. Em que três partes principais foram os membros dessa Assembleia divididos? E a que parte pertencia a vasta maioria da Assembleia?
15. Como foi a Assembleia organizada?
16. Qual foi o primeiro trabalho realizado pela Assembleia?
17. Quando e como procederam a arquitetar a Confissão de Fé?
18. Quando e como procederam a arquitetar os Catecismos?
19. Qual foi a ação do Grande Parlamento no tocante à obra da Assembleia?
20. E qual a ação da Assembleia Geral Escocesa quanto à mesma?
21. Qual foi o destino final do Estabelecimento Presbiteriano na Inglaterra?
22. De quais igrejas é a Confissão Westminster o padrão constitucional de doutrina?
23. Quando e com que exceções foi essa Confissão adotada pela Igreja Presbiteriana na América?
24. Quando, por que e em que seções foi ela emendada?
 
Fonte: A. A. Hodge, Confissão de Fé de Westminster Comentada (Editora Os Puritanos), p. 37-48.

A. A. Hodge
Archibald Alexander Hodge (1823-1886), filho de Charles Hodge, foi um importante pastor e teólogo presbiteriano americano. Ele foi diretor do Seminário de Princeton entre 1878 e 1886. 

SOBRE HEREGES E HERESIAS


Evite as conversas inúteis e profanas, pois os que se dão a isso prosseguem cada vez mais para a impiedade. O ensino deles alastra-se como câncera; entre eles estão Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já aconteceu, e assim a alguns pervertem a fé. (2 Timóteo 2.16-18)
Falsas doutrinas são perigosas. As pessoas que são afetadas por elas e que as promovem tornam-se crescentemente más. Para muitas pessoas, a ideia de mal evoca imagens de assassinato, adultério, opressão e coisas semelhantes. Mas não importa quão más sejam essas coisas, como um entendimento geral e primário do mal, isso é insuficiente e superficial. Jesus disse que o maior de todos os mandamentos é amar a Deus, e o segundo é amar as pessoas. Definir bem e mal primariamente pelo segundo, e até mesmo em negligência ao primeiro, denuncia uma inclinação humanista.
O padrão bíblico começa com Deus. Dessa forma, o conhecimento e adoração correta de Deus vem antes da conduta e relação correta com os homens. Não devemos ter outros deuses, mas isso implica um conhecimento suficiente do único Deus verdadeiro para identificá-lo, e reconhecer as variações e impostores. Não devemos construir ídolos nem adorar imagens, mas isso implica um entendimento da própria natureza de Deus – do que ele é e não é. E devemos usar o seu nome corretamente – não em vão, mas com o entendimento e atitude correta, com reverência e adoração. Isso envolve uma inclinação definida da mente. Amar a Deus, sem dúvida, também significa que devemos amars a sua palavra, considerar seus ensinos como preciosos e sagrados. Isso também ocorre na mente, antes que a obediência exterior seja exibida.
Falsas doutrinas levam uma pessoa a transgredir o maior de todos os mandamentos antes mesmo de levá-la a transgredir o segundo, e mesmo antes que qualquer ação externa seja exibida. Isto é, crer ou pensar algo falso sobre Deus, ou crer ou pensar algo diferente ou contrário ao que ele revelou, é em si mesmo pecaminoso. É uma violação do maior mandamento. Portanto, moralmente falando, crer e promover falsas doutrinas é muito pior que assassinato, adultério, roubo e coisas semelhantes. Isso é o contrário do que muitas pessoas, incluindo cristãos, parecem acreditar.
Os falsos mestres que Paulo tinha em mente incluiam Himeneu e Fileto. Eles eram falsos mestres porque tinham “se desviado da verdade”. Novamente, é a verdade ou doutrina que representa o padrão. Qualquer doutrina que não seja a verdade é por definição uma falsa doutrina. Um líder eclesiástico deve possuir, tanto quanto possível, um caráter que esteja acima de reprovação. Mas mesmo antes do caráter ser considerado, a linha é traçada pela doutrina. Essa é a regra que guia os cristãos ao selecionar mestres para seguir e imitar. Essa é a regra que governa a política da igreja ao designar oficiais eclesiásticos, bem como ao definir sua agenda, orçamento, e assim por diante.
É apropriado e algumas vezes necessário que os ministros discutam essas questões tanto em privado como em público. Os ministros devem advertir as pessoas sobre falsas doutrinas e falsos mestres, às vezes anunciando os nomes dos hereges, para que os crentes possam evitá-los. Todavia, um foco desordenado nas falsas doutrinas, mesmo em se opor a elas, gera um ministério fora de equilíbrio. Como não é o hábito de Paulo tolerar os falsos ensinos, não é frequentemente que ele refere-se diretamente aos seus conteúdos ou descreve-os em grande detalhe. Aqui ele menciona que a heresia incluía a ideia “que a ressurreição já aconteceu”.
Seria o caso deles terem espiritualizado a ressurreição, com a implicação que a ressurreição de Cristo foi também meramente espiritual? Em todo caso, como Gordon Fee escreve: “Para Paulo, a negação da nossa ressurreição (corpórea e futura) é negar a própria fé”. Visto que a ressurreição de Cristo foi física, e nossa ressurreição será como a sua, então até que tenhamos um corpo similar ao seu, a ressurreição ainda não aconteceu, e qualquer doutrina que diga que a ressurreição já aconteceu é heresia, e equivale à uma negação da fé cristã.
Não podemos ter certeza da natureza exata desse falso ensino, mas seja qual for, ela contradiz uma das doutrinas cruciais da fé cristã. E se isso é suficiente para evocar uma reação agressiva do apóstolo, então é o nosso dever reagir fortemente também quando ensinos fundamentais do evangelho estão sob assalto. Falsos ensinos sobre a natureza de Deus e de Cristo, sobre a criação e queda do homem, sobre expiação e justificação, e no mínimo várias outras, devem ser enfrentados com condenação. Negar o que a Bíblia ensina sobre esses tópicos, ou ensinar algo diferente daquilo que a Bíblia assevera, é negar a própria fé cristã.
 
Fonte: Reflections on Second Timothy
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

Vincent Cheung é autor de trinta livros e centenas de palestras sobre uma gama de assuntos em teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmivisão bíblica como um sistema de pensamento abrangente e coerente, revelado por Deus na Escritura. Vincent Cheung reside em Boston com sua esposa Denise. 

O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPAS


O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPAS 

Classificação do filme: Fantasia Mitológica
Uma adaptação fenomenal do clássico de C. S. Lewis! De fato, diria que este é um dos poucos filmes melhores que o livro. Não fiquei impressionado com o livro, mas chorei durante todo o filme por causa de sua magia profunda, isto é, sua encarnação mitológica. Lúcia é adorável .
Uma de minhas cenas favoritas é quando ela sorri por causa de seus irmãos incrédulos, abismados, em Nárnia pela primeira vez, e diz com certa ironia: “Não se preocupem, é apenas a imaginação de vocês”.
A Rainha do Gelo é interpretada com toda a maldade, e Aslam é perigoso, mas é bom. Algo que chamou minha atenção no filme foi a apresentação positiva da cultura medieval da cavalaria. Neste ponto, os produtores foram leais aos antecedentes ingleses de Lewis, bem como à sua graduação em romantismo medieval. Foi revigorante observar a honra coragem e o dever lutando contra o mal como meios de liberdade e justiça .
Por essa razão, liberais , socialistas e outras pessoas ligadas à modernidade não gostarão deste filme, por incorporar verdades detestadas por eles. Aslam permite que Pedro mate o lobo maligno com sua espada como um rito de masculinidade e para tornar-se um cavaleiro honrado. Uau ! Isso é politicamente incorreto — e fiel à realidade .
Num dos momentos mais belos do filme, a Feiticeira Branca apela para a Magia Profunda, “mais poderosa que qualquer um de nós, e governa o destino de todos, de vocês e o meu”, e afirma que a lei exige sangue para a realização da justiça verdadeira.
Isso com certeza é abominado como barbárie primitiva pelos que, em nossa sociedade, culpariam as vítimas (a menos que isso constitua racismo), e procurariam compreender os transgressores (como alguns islâmicos fascistas), em lugar de fazer justiça, e pensariam em permitir que os criminosos fossem libertados porque “sentem-se” arrependidos ou se comportaram como bons meninos na cadeia — imaginando fazer, de alguma forma, justiça.
Este filme demonstra que as exigências da Lei são “olho por olho”, e que essa fórmula não é desonesta ou injusta , mas a única forma de justiça; de outra forma, o mal reinaria. A rejeição do “olho por olho” é a barbárie que destrói a civilização — o que nos leva à mitologia cristã do filme. Alegrei-me muito por ela não ter sido suprimida.
Claro, a essência do cristianismo é a expiação substitutiva de Cristo por seu povo. Não fomos perdoados porque Deus acenou e permitiu que os criminosos do universo tivessem passagem livre — isso seria injusto para com as vítimas. Em vez disso, Jesus tomou sobre si mesmo a pena de morte por todos os crentes. Isto, e apenas isto, é o enigma filosófico-teológico da união perfeita do amor e da justiça.
A lei divina requer o pagamento da penalidade (justiça), mas o amor de Deus é demonstrado no sofrimento da penalidade a favor de seu povo (Romanos 5:6-10). Isto é a Lei e o Evangelho, e ambos são necessários para a comunicação eficiente da redenção. Como um espelho, a lei de Deus mostra-nos, criminosos do universo, a culpa referente aos nossos pecados (Romanos 3:19,20). Entretanto, o Evangelho é as boas novas de que Jesus pagou a penalidade para libertar-nos (Romanos 6:23). Como Aslam explicou: “Se uma vítima voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor”, então a “ Magia Profunda” seria cumprida, isto é, a lei seria cumprida mediante o sacrifício expiatório de Cristo.
Algumas das analogias mais poderosas do Evangelho encontram-se neste filme. Claro, a Mesa de Pedra do sacrifício é um símbolo pagão do aplacamento dos deuses, como a crucificação era uma modalidade romana de punição. Aslam não diz nenhuma palavra e é tosquiado antes de ser morto, como Cristo ficou calado e foi espancado e humilhado antes de morrer (Isaías 53:5-7).
A Feiticeira Branca , antes de eliminar Aslam, diz de maneira jocosa: “Contemplem o Grande Leão”, da mesma forma que os opressores de Jesus zombaram dele dizendo: “Salve, rei dos judeus!” (João 19:3). Quando Aslam ressuscita acontece um terremoto, do mesmo modo que ocorreu junto ao túmulo de Jesus quando ele ressuscitou (Mateus 28:2). Ah, duas garotas estavam lá quando Aslam ressurgiu, como as duas mulheres que viram o Cristo ressurrecto (Mateus 28:1).
Ao matar a Feiticeira Branca, Aslam diz: “Está consumado” — palavras idênticas às últimas proferidas por Jesus, na cruz, quando a salvação foi assegurada e o poder da morte e do Diabo destruído (João 19:30; Hebreus 2:14).
Ele sopra nas estátuas para trazê-las à vida, como Jesus soprou sobre seus discípulos para outorgar-lhes o Espírito Santo que os ressuscitou espiritualmente dentre os mortos (João 20:22).
Foram omitidas as expressões “Filhas de Eva” e “ Filhos de Adão”, referências ao Gênesis e ao pecado original (Romanos 5), mas também a glória dos seres humanos à imagem de Deus como filhos de Adão e Eva (Atos 17:26). [1]
Adorei a desforra branda da demitologização moderna da religião. Em Nárnia, a “Terra do Mito”, Lúcia observa alguns livros, e um deles é intitulado É o homem um mito? Que alfinetada !
Dois pequenos desapontamentos: transformaram a expressão clássica a respeito de Aslam: “Mas ele é tão perigoso assim ?”, “Claro que é, perigosíssimo. Mas acontece que é bom”, em: “Ele não é um leão domesticado, mas é bom”. E também mencionaram apenas uma vez o epíteto de Nárnia: “Aqui é sempre inverno e nunca Natal”. Ele deveria ter sido repetido muitas vezes por ser o símbolo de quão impiamente os homens desejam retirar Deus da sociedade, como chamar o Natal apenas de “feriado” ou a tentativa de erradicar todos os símbolos da influência divina sobre a cultura. Soa familiar? De qualquer forma, Lewis e Tolkien são duas das maiores forças contra a modernidade ao assegurar que é correto “crer”, demonstrando o caráter da mitologia moderna como mau e destrutivo ao extremo. Escreverei um livreto ou um livro, no final deste ano (se vocês quiserem ler mais a respeito da idéia do uso da mitologia ou elementos mitológicos pagãos na arte de contar histórias). Seu título será Palavra e imagem.
[1] – Na versão legendada em português, aparecem escritas estas expressões. Elas não foram suprimidas.
 
Traduzido por: Rogério Portella